Jornal GGN - No Senado, durante a fase final do julgamento do impeachment, a presidente Dilma Rousseff fez um discurso firme, claro e por vezes emocionado, endereçado principalmente aos senadores indecisos, aos traidores de ocasião e aos que articularam o seu afastamento.
Denunciando o "golpe de Estado" decorrente de um impeachment sem crime fiscal comprovado, ela não poupou citações aos responsáveis pela atual ameaça de ruptura democrática: a elite econômica, a classe política derrotada nas urnas e perseguida pela Lava Jato e setores da mídia que vergonhosamente silenciaram diante das irregularidades do processo.
O discurso começou próximo das 10h desta segunda-feira (29), com Dilma pedindo desculpas por erros que cometeu em sua gestão. "Acolho essas criticas com humildade, até porque como todos eu também cometo erros e tenho defeitos. Mas entre meus defeitos não está a covardia", disparou Dilma.
"Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei por anos a prisão. Vi companheiros sendo violentados e sendo assassinados. Na época, eu era jovem, tinha muito a esperar da vida, e tinha medo da morte e das sequelas da tortura na minha alma e no corpo. Mas não cedi. Resisti. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia", disse, numa tentativa de atingir os senadores que a abandonaram ou "sucumbiram às benesses" oferecidas pelo governo interino em meio ao processo.
Em outra passagem, ela disse que "se alguns rasgam o seu passado e se rendem às benesses do presente, que respondam à sua consciência. A mim, resta lamentar pelo que se tornaram. E resistir. Finquemos o pé no lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace, de novo, nos engolir."
OS AGENTES DO GOLPE
Dilma disse que fez questão de ir ao Senado, olhar cada um de seus juízes nos olhos, porque tem a "serenidade" de quem não cometeu nenhum crime de responsabilidade fiscal. Ela afirmou, contudo, que não poderia deixar de fazer um paralelo com o julgamento que sofreu durante a ditadura. Ambos teriam um ponto em comum: ao seu lado, no banco dos réus, sentou-se a democracia.
Para Dilma, o impeachment é desdobramento de um atentado à soberania popular. "Sempre que o interesse da elite econômica e politica é ferido nas urnas, conspirações são tramadas resultando em golpe de Estado", pontuou. "Trata-se de ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira."
A presidente lembrou que a instabilidade gerada em seu governo nasceu no dia em que o PSDB de Aécio Neves foi derrotado nas urnas. Desde então, inúmeras ações para impedir que Dilma tivesse governabilidade foram deflagradas, de contagem de votos a pedidos de investigação nas contas de campanha. Até que os derrotados nas urnas encontraram nos alvos da Lava Jato um grande aliado para encampar o impeachment.
Citando a inércia e a pauta-bomba criada pela maioria oposicionista que se forjou no Congresso, que só passou a analisar matérias econômicas quando o impeachment já caminhava para o Senado, Dilma disse que "foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade propício ao impeachment sem crime de responsabilidade.”
Ela também citou as chantagens de Eduardo Cunha (PMDB), que deflagrou o impeachment após não prosperar sua exigência para que o PT o ajudasse a impedir a cassação do mandato no Conselho de Ética. "Nunca aceitei na minha vida ameaças e chantagens. Se não o fiz antes, não o faria sendo presidente", disse Dilma. Ela também disparou, indiretamente, contra o governo do interino Michel Temer (PMDB), que ajuda Cunha a adiar ao máximo sua cassação em plenário. "Quem age para poupar ou adiar a condenação de uma pessoa que é acusada de corrupção, cedo ou tarde pagará o preço de sua falta de compromisso com a ética."
OS MOTIVOS PARA O GOLPE
Dilma afirmou que ficou claro ao longo do processo que querem tirá-la do poder pelo "conjunto da obra", algo que é conferido apenas ao povo e apenas durante as eleições.
Os alegados crimes fiscais guardam controvérsias, inclusive porque o Ministério Público Federal concluiu, após uma investigação sobre seis tipos de pedaladas fiscais, que não houve dolo, nem afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal, nem desrespeito ao Congresso. Sobre os créditos suplementares, Dilma apontou que o Tribunal de Contas da União convenientemente classificou como irregulares meses após o seu uso por Dilma, que seguiu os passos de seus antecessores no Planalto.
Além disso, a presidente citou a revelação, no primeiro dia do julgamento no Senado, de que o procurador do MP junto ao TCU que arquitetou o pedido de impeachment com base em crime fiscal foi considerado "suspeito" pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, por militar contra o PT. Além disso, ele foi assessorado por técnico do TCU que, posteriormente, foi o responsável por dar um parecer alegando irregularidades nos atos de Dilma. "Fica claro a parcialidade na construção das teses por eles defendidas", disse a presidente.
O QUE ESTÁ EM JOGO
Dilma citou que "o que está em jogo no impeachment não é o meu mandato, é o respeito às urnas, à soberania do povo, à Constituição, às conquistas sociais dos últimos 13 anos". O que está em jogo com a sua saída do governo é a entrega do pré-sal, o desmonte de programas federais, a inserção do Brasil no contexto internacional.
Dilma se emocionou pela primeira vez ao dizer que a auto-estima do brasileiro, que resistiu, em 2014, "aos pessimistas de plantão", também estava em jogo, assim como a auto-estima daqueles que acreditaram na capacidade do Brasil realizar "com sucesso" a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Tudo isso está em jogo, disse Dilma, desde o momento em que Michel Temer assumiu o comando do País e adotou um programa de governo que não foi aprovado nas urnas.
A APARÊNCIA DE LEGALIDADE
Dilma também rebateu o argumento de que o processo de impeachment é legal porque o STF ditou as regras e acompanha desde o início. "Esse processo está marcado do início ao fim por absoluto desvio de poder. Tem se afirmado que o processo é legítimo, porque ritos e prazos foram respeitamos. Mas para que seja feito justiça, a forma não basta. É preciso que o conteúdo seja justo, e jamais haverá justiça nessa condenação. Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião dos julgadores é registrado e divulgado na imprensa sem que a defesa tenha sido exercido. O direito de defesa é exercido formalmente, mas não é apreciado em sua essência."
AS ACUSAÇÕES
Nos minutos finais, Dilma dedicou-se a desmontar as teses de que cometeu crime de responsabilidade fiscal. Citou decisão do Ministério Público Federal, que se negou a dar continuidade a uma investigação por entender que não houve dolo, nem crime e tampouco desrespeito ao Congresso nas pedaladas fiscais. Também recordou que outros presidentes editaram a abertura de créditos suplementares e nada foi feito. O Tribunal de Contas da União só considerou essa atitude irregular meses após Dilma já ter seguido os passos de presidentes que a antecederam.
Para a presidente, as alegações da acusação são frágeis e por isso mesmo configuram um golpe.
RENÚNCIA E MORTE
Dilma comentou que não renunciou apesar de toda a especulação sobre isso porque tem compromisso com a democracia. Ela fez uma fala endereçada às mulheres, que a ajudaram a atravessar os dias de isolamento no Alvorada. "Elas me cobriram de flores e solidariedade."
Ao final, Dilma disse que "cassar meu mandato é me condenar à morte política." Ainda sobre morte, ela comentou que "por duas vezes, vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a coisas que me faziam duvidar da humanidade, e quando uma doença grave podia encurtar minha existencia. Hoje, eu só temo a morte da democracia."
Aos indecisos, Dilma disse ainda que no presidencialismo, condenação política exige crime de responsabilidade cometido "dolosamente e comprovado de forma cabal". "Lembre-se que esse precedente pode prejudicar outros governantes. Condenar sem provas, condenar um inocente, esse é o precedente."
Ao final de sua fala, o senador Aloysio Nunes (PSDB), líder do governo Temer no Senado, tentou obter direito de resposta pelas citações aos "derrotados nas urnas", mas Lewandowski não permitiu, alegando que Dilma não fez ataques pessoais.