Quando Lula chegou ao poder, milhões de pessoas eram mantidos sob estado de miséria e dependência de serviços básicos, como forma de perenização do estatuto escravagista disfarçado e herdado do século XIX. Sabemos perfeitamente que em algumas funções no campo, e em outros rincões citadinos brasileiros, a baixíssima remuneração, por vezes menor que 10% de um salário mínimo, era a estratégia adotada para se manter a relação de servidão com vistas a se maximizar a produção de riqueza concentrada. Os programas sociais desestabilizaram perigosamente esta relação sócio-econômica incrustada no atraso nacional.
Quando Lula assumiu o governo, o salário mínimo era um dos mais baixos da América Latina. A valorização de quase 75% que começou com o PT trouxe a melhoria de vida de milhões de pessoas, além do acesso ao consumo, mas também mexeu seriamente na relação lucro-rendimentos do trabalhador, provocando a percepção de que dificilmente o quadro poderá ser mudado em anos. Ora, uma estrutura industrial e de serviços que cresceu sobre parcos salários foi tocada num ponto sensível, e evidentemente isso trouxe desagrado e ressentimento para certo empresariado, acostumado à comodidade dos altos ganhos sem risco.
Mesmo a classe média tradicional, que antes tinha a seu dispor serviçais com remunerações simbólicas, foi afetada (é bom lembrar que, em valores atualizados, uma empregada doméstica ganhava em média, até o início do século, cerca de 50% de um salário mínimo da época para jornadas mensais de trabalho, em regime de dedicação exclusiva). A valorização salarial - ainda que insuficiente - dos trabalhadores de base mexeu numa relação conformada sobre a desigualdade social.
Quando Lula tornou-se presidente, o Brasil mantinha relações de dependência e auto-humilhação política e econômica em relação aos EUA. A iniciativa lulista de promover a reafirmação da independência diplomática, tirando do baú o discurso nacionalista, visto por setores conservadores nacionais como daninho para os acordos de submissão remunerada entre burguesia nacional e capital internacional dominante, algo tão consolidado na história do país, trouxe apreensão, insatisfação e desejo de restabelecimento rápido do quadro anterior.
Além evidentemente de alguns afrontas evidentes às nações "capitais", com alianças Sul-Sul e negativas econômicas com relação ao petróleo e à indústria de armamentos, terem internacionalizado a aversão, em certos quadros ultraconservadores, à figura de Lula.
A redução da participação das corporações de mídia no bolo publicitário, o combate à indústria da seca, a não concessão em relação às exigências neoliberais de desregulamentação das leis do trabalho, a construção de submarinos nucleares e aquisição de jatos não americanos, a insistência na soberania da Petrobras, a "manicure que virou micro-empresária", tudo isso pode ser muito diverso, e referente a universos e questões distintas, mas compõe um quadro complexo de desestabilizações pontuais, que mexeram em estruturas relacionais históricas e que, evidentemente, mais cedo ou mais tarde iriam provocar resistências, reações, desejo de vingança.
É aí que entra o trabalho dos capatazes, mais perigosos do que o arranjo político golpista. Agentes do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, e da Justiça Federal, assumiram a responsabilidade pela vingança contra Lula, e seu objetivo é basicamente garantir o seu banimento definitivo da cena política-eleitoral. Mas não só.
Engana-se quem pensa que se trata apenas da inviabilização de Lula para 2018. O objetivo destes agentes, que já não escondem a relação de promiscuidade com grandes e bilionárias corporações midiáticas, é encarcerar Lula e seus familiares, torná-lo incomunicável - como fizeram com José Dirceu.
Por seu turno, o objetivo do aparato midiático, e suas uterinas alianças com os setores que também se sentiram prejudicados por iniciativas lulistas, é o aniquilamento completo da imagem de Lula, a humilhação a mais exemplar possível, para que ninguém repita os seus feitos, a extinção da força do nome, a tortura psicológica de seus apoiadores, o fim político e social daquele que ousou mexer em estruturas que "não eram" para ser mexidas.
Não importa muito que não haja provas consistentes, que se lance mão de indiciamentos produzidos às pressas, com erros primários, que juízes escondam inquéritos, para dificultar a defesa, que policiais e procuradores vazem seletivamente informações aos "parceiros" midiáticos. Qualquer estratégia é válida para matar, politica e socialmente, Luis Inácio Lula da Silva.