ADIÓS, COMPAÑERO
Já comentei, em entrevistas no rádio e aqui mesmo na Net, que sou um dos poucos casos de conversão ao marxismo sem ter passado por doutrinação, do que muito me orgulho, porque me deu visão crítica-analítica, independente de correntes.
Dois homens marcaram minha vida, e a maior característica dos dois era a honestidade (na minha autobiografia, não publicada, cito exemplos do comportamento dos dois): meu pai e meu avô.
Meu avô, intelectual, jornalista e funcionário público, me mostrou um lado do mundo: a música erudita, as ciências, os segredos do comportamento humano, a justiça... Viciando-me em livros.
Mas vovô, contraditoriamente, era de direita, UDN, e me puxou para a brasa da sua sardinha.
Papai era semi-analfabeto, extremamente temperamental, resultado da guerra, foi expedicionário da FEB, na Itália, fisicamente lembrava muito o Lula (mais de uma vez mamãe comentou que não conseguia olhar as fotos do Lula sem lembrar de papai, o que confirmei quando estive perto de Lula).
Vovô preparava-me para ser um Aecinho, papai comentava com mamãe que vovô estava me “aviadando”, me polindo muito.
Fiquei intelectualmente com vovô, claro, de maior ascendência intelectual, até que um dia... Contrariando ordens, fucei um barracão onde papai guardava ferramentas e quinquilharias,
deparando-me com uma pilha enorme de revistas, que não sei como conseguiu, já que o dinheiro dele mal dava para alimentar os filhos.
Escritas em espanhol, tomei homéricas surras, para interpretar os textos, deixando-me fascinar pelo que avidamente e escondido lia.
Kennedy perdeu um fã, um admirador, que chorou muito quando soube do seu assassinato, e Fidel ganhou um compañero, por admiração e compartilhamento de idéias e ideais.
A revista era o Granma, órgão oficial do Partido Comunista Cubano, e papai as escondeu por causa da perseguição dos ditadores militares (embora ex combatente da FEB, papai afirmava ser do Exército de Mascarenhas de Moraes, o nosso comandante na Itália, e não do Exército de Caxias).
Foi a partir dessas leituras que cheguei a Marx-Engels e a todos os seus discípulos e teóricos seguidores, aleatoriamente, sem ser orientado.
Pô! Mas esse cara só falou da família dele, concluirá o leitor mais atento.
Verdade. Há quinze dias perdi minha mãe, que me deu a vida e me alimentou com sonhos e leite, como afirmei em um poema, ficando órfão, e a orfandade dói em qualquer idade.
Agora deparo-me com a notícia que Fidel morreu, deixando-me órfão novamente, agora de um modelo de conduta humana.
É verdade que só falei dos meus ascendentes, dos meus parentes... Papai, vovô, mamãe, Fidel.
Estes não morreram e nem morrerão, vivem e viverão eternamente na personificação do que busquei ser à vida toda, uma cópia, ainda que piorada, dos modelos onde sempre me espelhei.
Vá em paz, Compañero. Dever cumprido.