Pessoas de esquerda podem escrever no Imprensalão?


É cada vez mais frequente a acusação de que os colunistas de esquerda estão ajudando a construir uma falsa imagem de pluralidade da Folha de São Paulo e outros grandes jornais do país, reforçando assim os malefícios causados pela grande mídia. A última coluna do Gregorio trouxe novamente essa discussão à tona. É evidente que ele bateu muito bem em um editorial da Folha, mas mesmo assim ainda escreve lá. Ele, eu e mais uma meia dúzia de articulistas do campo progressista fazemos essa opção, que como quase tudo nessa vida, é cheia de contradições.

Esse debate é importante, e quero levantar aqui alguns pontos que me passam pela cabeça quando faço semanalmente a escolha de manter a coluna na Folha.

Primeiro, vivemos em um sistema capitalista em que quase todos têm patrões. Quase todas as pessoas que têm críticas a esse sistema -- anarquistas, socialistas ou reformistas -- estão sujeitas, portanto, às contradições de viver nele. Os articulistas de um jornalão ainda têm o privilégio da plena liberdade de expressão, coisa que os nossos jornalistas não têm. Podemos criticar editoriais ou o que quer que seja, e acho que isso tem sido importante para provocar debates fundamentais. Nesse contexto, culpar jornalistas ou articulistas pela linha editorial do jornal me parece uma estratégia ineficaz quando se quer atacar a origem do problema.

Um segundo ponto que me pergunto sempre é se a melhor opção seria deixar o jornal inteiro para o que hoje é o pensamento hegemônico. Por ingenuidade ou não, ainda acho que vale a pena brigar pelo pensamento dos leitores. Sobretudo do jornal impresso, que talvez não tenham escolhido acessar apenas uma versão da história. Talvez o impacto seja muito pequeno, mas aí entra o meu terceiro ponto, mais geral.

Vejo um futuro sombrio ligado às redes sociais e às tendências na comunicação em geral. Por algoritmos ou escolhas, vivemos cada vez mais em bolhas de informação, que apenas reforçam nossas ideias prévias. Uma análise que li outro dia sobre o Brexit no Reino Unido chegou a essa conclusão: os que votaram "sim" praticamente não interagiram com o não" nas diversas redes sociais analisadas.

Tirando os poucos amigos que ainda conseguem dialogar, o contato com outro tipo de pensamento ainda vem quase que exclusivamente da leitura dos grandes jornais. Não leio sites de direita, mas ainda leio a Folha. Um mundo sem jornais e sem interlocução nenhuma com o pensamento oposto é um mundo deprimente e assustador, que pode levar à criação de monstros.

Isso não quer dizer que a mídia independente não seja absolutamente essencial, para informar melhor e até para ocasionalmente provocar reações da grande mídia (que muitas vezes acaba sendo obrigada a incorporar notícias e evidências que já circulam amplamente pela internet). Estamos vendo no Brasil uma proliferação de veículos independentes de altíssimo nível, que devem ter todo o nosso apoio.

Por todas essas razões, ainda acho que a pressão deve ser por mais espaço para o contraditório nos grandes jornais e por um jornalismo de melhor qualidade, e não pelo seu total abandono pela esquerda. Ataques pessoais a colunistas são inócuos em solucionar o problema maior, a meu ver. Além de ser um pouco fácil...

Acho a crítica mais geral totalmente legítima, e o debate sobre mídia no Brasil super importante. Pode ser até que alguém um dia me faça mudar de ideia sobre colaborar com a Folha, mas certamente não será por meio de xingamentos e desqualificações.

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